
( este texto, copiei da Comunidade OS DOIS LADOS DA MOEDA, no Orkut, escrito por Lavínia...
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Carminha não cabia em si de felicidade com a sua bonequinha. Como menina negra e pobre do morro ela nunca tivera um brinquedo tão lindo. Naqueles quatro dias ela só brincou de mamãe, trocou a roupinha, deu banho na boneca, fez papinha de barro com pedacinhos de casca de manga e cantou canções de ninar para a boneca. Ela não se cansava de admirar a face tranquila do seu lindo brinquedo.
- Filha, tá na hora da gente ir pra festa...
- Posso levar a boneca, papai?
A dor nos olhos do homem era comovente, mas ele sabia que tinha que ser firme:
- Não, amorzinho! Melhor não! Imagina se outra menina fica com inveja e rouba a sua bonequinha? Tem quatro dias que você não faz outra coisa além de ficar abraçada com ela, já imaginou se ela quebra ou se te roubam na festa?
O olhar de medo de Carminha mostrou que ela havia entendido a preocupação do pai. Ela foi correndo colocar o brinquedo na caixinha branca, alisou o vestidinho florido e saiu toda feliz para a festinha.
O marido de Carmem pegou pela mão da esposa com o carinho devido a filha tardia que o destino lhe dera, e com uma lágrima solitária descendo pela face ele olhou pela última vez para o pequeno corpo de oito meses, trespassado por uma bala perdida e já roxo e putrefato. Sua filha de verdade se fora, restando apenas uma mãe mortalmente ferida, que voltara aos cinco anos de idade e que ele teria que cuidar pra sempre.
O presidente da associação de moradores da favela fechou finalmente o pequeno caixão branco e retirou o corpo do barraco, com a proteção dos policiais do BOPE.
Carminha não viu nada disso! Estava descendo o morro toda feliz, pulando e saltitando na alegria dos cinco anos de idade que viveria dali pra frente. Seu sorriso era contagiante e ela só conseguia pensar nos doces que comeria na "festa" e no prazer de voltar pra casa para brincar novamente com a sua linda "boneca".
Mas alegria de pobre dura pouco. Depois da consulta com a psicóloga do SUS, Carminha nunca mais sorriu na vida...
Lavinia.